SISTEMAS APOSTILADOS DE ENSINO E A PARTICIPAÇÃO DO PROFESSORADO NO PROCESSO DE ADESÃO

Edimar Aparecido da Silva
Yoshie Ussami Ferrari Leite
Este artigo é parte da dissertação de mestrado intitulada “Sistemas Apostilados de Ensino: as percepções dos professores dos anos iniciais de Álvares Machado-SP” que teve como objetivo analisar as percepções dos professores em relação ao uso de Sistemas Apostilados de Ensino (SAE) na sala de aula. Sob uma abordagem qualitativa, a pesquisa constituiu-se como um estudo de caso, e a coleta de dados foi feita por meio de questionários aplicados a trinta e seis professores. Neste artigo, exploramos a participação dos professores no processo de adesão, discutindo três aspectos: 1) os motivos percebidos pelos professores para aderência de um SAE pela rede municipal de ensino; 2) a participação em momentos de discussão antes de firmada a parceria; e, 3) os sentimentos e as expectativas experenciadas pelos docentes diante da parceria firmada. Tais aspectos são analisados, tendo em vista que, a participação dos professores, no processo decisório torna-se fundamental para a avaliação e possível legitimação de uma política. Os dados coletados indicaram que, embora a maioria do professorado não tenha participado de discussões anteriores, estes profissionais percebem a adesão como uma estratégia para a busca da melhoria da qualidade da educação, pautada, em sua grande maioria por expectativas positivas que foram atendidas no momento de chegada do material no município. Problematizamos que essas percepções positivas, em relação ao material, podem estar, muitas vezes, atreladas a uma lógica mercadológica, embasada, sobretudo no assédio dos grupos empresariais, que atualmente buscam expandir o campo de atuação nas redes municipais.

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Caderno Temático

SISTEMAS APOSTILADOS DE ENSINO E A PARTICIPAÇÃO DO PROFESSORADO NO PROCESSO DE ADESÃO

“THE APOSTILLE SYSTEMS OF EDUCATION” AND TEACHER PARTICIPATION IN THE ACCESSION PROCESS

“SISTEMAS APOSTILLADOS DE ENSEÑANZA” Y LA PARTICIPACIÓN DEL PROFESORADO EN EL PROCESO DE ADHESIÓN

Edimar Aparecido da Silva
Unesp, Brasil
Yoshie Ussami Ferrari Leite
Unesp, Brasil

SISTEMAS APOSTILADOS DE ENSINO E A PARTICIPAÇÃO DO PROFESSORADO NO PROCESSO DE ADESÃO

Olhar de Professor, vol. 20, núm. 1, 2017

Universidade Estadual de Ponta Grossa

Recepção: 03 Março 2017

Aprovação: 03 Junho 2017

Resumo: Este artigo é parte da dissertação de mestrado intitulada “Sistemas Apostilados de Ensino: as percepções dos professores dos anos iniciais de Álvares Machado-SP” que teve como objetivo analisar as percepções dos professores em relação ao uso de Sistemas Apostilados de Ensino (SAE) na sala de aula. Sob uma abordagem qualitativa, a pesquisa constituiu-se como um estudo de caso, a coleta de dados foi feita por meio de questionários aplicados a trinta e seis professores. Neste artigo, exploramos a participação dos professores no processo de adesão, discutindo três aspectos: 1) os motivos percebidos pelos professores para aderência de um SAE pela rede municipal de ensino; 2) a participação em momentos de discussão antes de firmada a parceria; e, 3) os sentimentos e as expectativas experenciadas pelos docentes diante da parceria firmada. Tais aspectos são analisados, tendo em vista que, a participação dos professores, no processo decisório torna-se fundamental para a avaliação e possível legitimação de uma política. Os dados coletados indicaram que, embora a maioria do professorado não tenha participado de discussões anteriores, estes profissionais percebem a adesão como uma estratégia para a busca da melhoria da qualidade da educação, pautada, em sua grande maioria por expectativas positivas que foram atendidas no momento de chegada do material no município. Problematizamos que essas percepções positivas, em relação ao material, podem estar, muitas vezes, atreladas a uma lógica mercadológica, embasada, sobretudo no assédio dos grupos empresariais, que atualmente buscam expandir o campo de atuação nas redes municipais.

Palavras-chave: Sistemas Apostilados de Ensino, Percepções de Professores, Redes Municipais de Ensino.

Abstract: This article is part of the master dissertation titled "The apostille systems of education: the perceptions of the teachers of the initial years of Álvares Machado-SP", whose objective was to analyze the teachers' perceptions regarding the use of Sistema Apostilado de Ensino (SAE) in classroom. Under a qualitative approach, the research was constituted as a case study, the data collection was done through questionnaires applied to thirty-six teachers. In this article, we explore the participation of teachers in the adhesion process, discussing three aspects: 1) the reasons perceived by teachers for adherence of an SAE by the municipal teaching network; 2) participation in moments of discussion before the partnership is signed; and, 3) the feelings and expectations experienced by teachers on the partnership. These aspects are analyzed, since the participation of teachers in the decision-making process is fundamental for the evaluation and possible legitimation of a policy. The data collected indicated that, although the majority of teachers did not participate in previous discussions, these professionals perceive adherence as a strategy for quality improvement of education, based in large part by positive expectations that were met at the time of arrival of the material in the municipality. We problematize that these positive perceptions, in relation to the material, can often be linked to a market logic, based above all, on the harassment of business groups, which currently seek to expand the field of action in the municipal networks.

Keywords: Apostille Systems of Education, Perceptions of Teachers, Municipal Teaching Networks.

Resumen: Este artículo es parte de la disertación de maestría titulada "Sistemas Apostillados de Enseñanza: las percepciones de los profesores de los años iniciales de Álvares Machado-SP" que tuvo como objetivo analizar las percepciones de los profesores en relación al uso de Sistemas Apostillados de Enseñanza (SAE) en el aula. Bajo un enfoque cualitativo, la investigación se constituyó como un estudio de caso, y la recolección de datos fue hecha por medio de cuestionarios aplicados a treinta y seis profesores. En este artículo, exploramos la participación de los profesores en el proceso de adhesión, discutiendo tres aspectos: 1) los motivos percibidos por los profesores para la adhesión de un SAE por la red municipal de enseñanza; 2) la participación en momentos de discusión antes de firmada la asociación; y, 3) los sentimientos y las expectativas experimentadas por los docentes ante la asociación firmada. Tales aspectos son analizados, teniendo en cuenta que la participación de los profesores en el proceso decisorio se vuelve fundamental para la evaluación y posible legitimación de una política. Los datos recolectados indicaron que, aunque la mayoría del profesorado no ha participado en discusiones anteriores, estos profesionales perciben la adhesión como una estrategia para la búsqueda de la mejora de la calidad de la educación, pautada, en su gran mayoría por expectativas positivas que fueron atendidas en el momento de llegada del material en el municipio. Se analizó que estas percepciones positivas, en relación al material, pueden estar a menudo vinculadas a una lógica mercadológica, basada en el acoso de los grupos empresariales, que actualmente buscan expandir el campo de actuación en las redes municipales.

Palabras clave: Sistemas Apostillados de Enseñanza, Percepciones de Profesores, Redes Municipales de Enseñanza.

Introdução

Este artigo é parte da dissertação de mestrado intitulada “Sistemas Apostilados de Ensino: as percepções dos professores dos anos iniciais do ensino fundamental de Álvares Machado-SP” que teve como objetivo analisar as percepções dos professores em respeito de Sistemas Apostilados de Ensino (SAE) em sua sala de aula. Sob uma abordagem qualitativa, a pesquisa constituiu-se como um estudo de caso, e a coleta de dados foi feita por meio de questionários aplicados a trinta e seis professores.

Neste artigo, exploramos a participação dos professores no processo de adesão, discutindo três aspectos: 1) os motivos percebidos pelos professores para aderência de um SAE pela rede municipal de ensino; 2) a participação em momentos de discussão antes de firmada a parceria; e, 3) os sentimentos e as expectativas experenciadas pelos docentes diante da parceria firmada.

Para cumprir satisfatoriamente nosso objetivo nesse texto, levantamos as seguintes discussões: a) Sistemas Apostilados de Ensino: O que são? Quais as razões do uso destes materiais nas redes municipais de ensino? ; b) Como foi o processo de adesão dos Sistemas Apostilados de Ensino na rede municipal de ensino de Álvares Machado-SP e a participação do professorado?

Sistemas Apostilados de Ensino: O que são? Quais as razões do uso destes materiais nas redes municipais de ensino?

A ampliação do processo de municipalização no Brasil, impulsionada, sobretudo, pela redistribuição de recursos com a implantação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF), contribuiu para a universalização do ensino fundamental. Essa afirmação encontra consonância no pensamento de Beisiegel (2005), ao apontar que a escola pública brasileira passou por um processo de democratização nas últimas décadas, permitindo, pela primeira vez, que os alunos das classes populares tivessem acesso à escola.

No entanto, muitos pesquisadores têm chamado a atenção para a necessidade de superação de práticas materializadas na negação do acesso ao conhecimento pelos setores populares. Conforme afirmam Oliveira e Araújo (2005), a nova pauta do direito à educação consistiria, a partir deste ponto, na luta pela melhoria da qualidade da educação. Diante desse desafio e em razão das novas demandas, muitos municípios encontram-se despreparados para a elaboração e o direcionamento de políticas públicas.

Tal situação, ao mesmo tempo em que reflete as dificuldades enfrentadas pelas administrações municipais, apresenta-se como justificativa para a opção de políticas governamentais que se apóiam na esfera privada, subvencionando-a, em troca da transferência da lógica de organização privada para o setor público, ao invés de reverter esses recursos públicos para a melhoria e/ou consolidação do aparato governamental necessário à manutenção e ao desenvolvimento do ensino. (ADRIÃO et al., 2009b, p. 803-804).

Assim, em busca de soluções imediatas para a consecução da oferta educacional e diante das dificuldades no que tange à estrutura e elaboração de uma proposta pedagógica capaz de contemplar as peculiaridades locais, muitos municípios acabam adquirindo Sistemas Apostilados de Ensino (SAE), realizando parcerias com a esfera privada.

Adrião e Garcia (2010, np.) definem Sistema Apostilado de Ensino como:

Material padronizado produzido para o uso em situações condensando determinado volume de conteúdos curriculares compilados e organizados em textos, explicações e exercícios, distribuídos em blocos correspondentes a aulas, bimestres, trimestres ou outros períodos determinados.

Ainda de acordo com as autoras, a composição do Sistema Apostilado de Ensino “[...] resulta da compilação de informações de distintas fontes: autores diversos, informações da rede mundial de computadores, fragmentos de livros didáticos, etc.” (ADRIÃO; GARCIA, 2010, np.).

Bunzen (2001, p. 39, grifo do autor) explica que “A palavra apostila vem do latim postilla que significa após aquelas coisas.” Segundo o Dicionário Aurélio (FERREIRA, 2010, p. 53), o vocábulo pode significar uma “[...] recomendação à margem de um documento, acréscimo ao fim de uma carta, pontos ou matérias de aulas publicadas para uso de alunos”. E nesse sentido, Adrião e Garcia (2010, np.) complementam que: “[...] o termo apostila ou apostilamento originalmente relaciona-se a ideia de complementação ou adição de algo novo a um conjunto de informações, conceitos ou ideias.”

O uso desse material tem sua origem na história dos cursinhos pré-vestibulares que despontaram num determinado período da realidade educacional brasileira, decorrentes do descompasso gerado entre as exigências dos exames vestibulares e o ensino então praticado nos colégios, associado ainda ao aumento expressivo da demanda por ensino superior (BEGO, 2013). Bego (2013) relata que os primeiros cursos pré-vestibulares, surgidos na década de 1950, dos quais o Curso Anglo-Latino é exemplo, ofereciam aulas intensivas em que se desenvolviam conteúdos complexos, exigidos pelos vestibulares da época, fazendo uso de apostilas.

O prestígio atribuído aos cursinhos e ao material que utilizavam fez com que se pensasse em sua aplicação também para os demais níveis de ensino das escolas particulares.

Além disso, conforme relata Lellis (2007), com a crise de inflação por que passou o Brasil, no início da década de 1990, as escolas privadas experimentaram um recuo em seus rendimentos, e o apostilamento dos cursos representou uma solução para que se evitassem gastos com o material didático e que a inadimplência de seus clientes fosse coibida, tendo em vista a seriação do material e a lógica de atrelar o seu fornecimento ao pagamento das mensalidades.

Como afirma Amorin (2008), embora os SAE já existissem no cenário brasileiro, nas ditas escolas franqueadas, isto é, as filiadas a empresas fornecedoras do material didático, eles começaram a se disseminar pelo país. Nesse momento, grupos como o Anglo, o Positivo, o Objetivo e o COC se consolidam, com a expansão de sua rede e com a distribuição de suas apostilas em inúmeras escolas, sob a forma de franquia, uma estratégia de mercado sobre a qual Adrião et al. (2009) comentam:

Até então, a opção estratégica do grande capital na educação básica se limitava à ampliação de seu mercado, por meio da incorporação de concorrentes de menor porte. Com isso, generalizou-se pelo estado de São Paulo a transformação de determinados colégios, em geral oriundos de cursos livres pré-vestibulares, em verdadeiras redes privadas de ensino, com níveis e etapas diversas de ensino, que se apresentam como “sistemas de ensino1” concorrentes. Posteriormente, sem, contudo, se constituir em estratégia substitutiva, ganhou corpo a transformação de escolas privadas de menor porte ou experiência em franquias das grandes redes privadas de ensino. Em outras palavras, não se fazia mais necessário, ao grande capital, a aquisição do patrimônio físico das concorrentes e, com ele, de seus custos. Bastava assegurar a compra reeditada anualmente dos serviços oferecidos pelas redes: a terceirização do processo pedagógico se instalava. (ADRIÃO et al., 2009b, p. 810).

Com a municipalização do ensino, a insuficiência de recursos humanos e técnicos de muitos municípios, aliada à baixa qualificação de seus quadros, resultou, em muitos casos, num atendimento precário que demandou, consequentemente, a procura de alternativas para superá-lo, abrindo-se, assim, a oportunidade de grandes investimentos para os grupos privados educacionais que buscavam novos mercados. Conforme explica Adrião e Garcia (2010, np.):

Tal tendência tem sido estimulada pela reorganização de empresas privadas no campo educacional e de editoras que buscam adequar-se a esse novo segmento de mercado por meio da criação de setores específicos para o atendimento dos gestores públicos. Como exemplo, cita-se o Núcleo de Apoio à Municipalização (NAME), vinculado ao Colégio Osvaldo Cruz (COC) e Sistema Objetivo Municipal de Ensino (SOME), vinculado ao grupo OBJETIVO, ambos originários de cursos pré-vestibulares.

Esta crescente tendência se faz presente, principalmente entre os municípios paulistas. Na pesquisa intitulada “Estratégias municipais para a oferta da educação básica: uma análise das parcerias público-privado no Estado de São Paulo”, desenvolvida por Theresa Adrião, Teise Garcia, Lisete Arelaro e Raquel Borghi, as autoras desvelam a crescente tendência das parcerias firmadas entre os municípios paulistas e o setor privado na oferta de sistemas apostilados de ensino, estratégia muitas vezes utilizada em face das dificuldades enfrentadas pelas administrações municipais para a consecução de políticas educacionais.

Além da fragilidade política e operacional para a oferta educacional nos municípios, Adrião et al. (2009a) consideram também a ação de marketing das empresas privadas como um dos aspectos indutores à adoção dos SAE. Como não têm a quem se dirigir para dirimir dúvidas e buscar alternativas, os municípios comprometem seus recursos financeiros – às vezes em até cerca de 40% – com “pacotes pedagógicos” que, ao mesmo tempo em que prometem o sucesso de seus alunos nas avaliações nacionais ou, pelo menos, uma melhor organização das escolas e do trabalho de seus professores, garantem também o requisito de “exclusividade de produto”, item importante das licitações que disputam (ADRIÃO et al., 2009a, p. 46). Podemos perceber a força do marketing, tomando como exemplo as propagandas divulgadas em revistas que discutem assuntos escolares ou até mesmo nos sites das empresas fornecedores de SAE.

Em específico, a adesão ao SAE pela Prefeitura Municipal de Álvares Machado se deu pela primeira vez no ano de 2005, durante a gestão do Prefeito Luiz Takashi Katsutani (2005-2008), em parceria firmada com a empresa COC para a oferta de material destinado à educação infantil e às séries iniciais do ensino fundamental.

A parceria com o Sistema COC, no município de Álvares Machado, encerrou-se no ano de 2009, e uma nova se iniciou, agora, com o Positivo. O Sistema Aprende Brasil, fornecido pela editora Positivo, foi implantado na gestão do Prefeito Juliano Ribeiro Garcia (2009-2012) e oferece material apostilado para a educação infantil e o ensino fundamental, até os anos finais. De acordo com a apresentação da empresa,

O Sistema de Ensino Aprende Brasil é referência em todo o País, presente em mais de 200 municípios e 2.800 escolas públicas, alia orientações pedagógicas e monitoramento da qualidade do ensino com materiais didáticos integrados e ferramentas multimídias do Portal Aprende Brasil. Personalizado para cada município, o Portal Aprende Brasil permite que Secretaria de Educação e escolas interajam usando a internet em ambientes de aprendizagem. Entre as ferramentas oferecidas pelo Portal, estão atividades interativas, recursos multimídia, obras literárias, enciclopédias, dicionários virtuais, simuladores, reportagens, conteúdos curriculares, ferramentas inteligentes de busca, sugestões de atividades para a sala de aula, dentre vários outros conteúdos. (EDITORA POSITIVO, 2013, np.).

Com o intuito de compreendermos os motivos que levaram o município de Álvares Machado - SP à contratação e oferta de um SAE, de origem privada, nos propusemos, em um primeiro momento, a realização de entrevistas semiestruturadas com o Secretário Municipal de Educação que atuava na época da execução da contratação e com o que respondia, naquela ocasião, pela secretaria. Entretanto, por motivos pessoais e por falta de tempo devido a sobrecarga de atividades desses sujeitos as entrevistas não foram realizadas.

Redesenhando os procedimentos para atingir os objetivos, realizamos uma pesquisa bibliográfica para entendermos as motivações que podem levar os municípios à adesão de um SAE, de origem privada. Segundo Adrião et al. (2009b) ao analisar os depoimentos, obtidos por ocasião na pesquisa de campo, as aquisições de SAE indicaram que essas ofertas, na maioria das vezes, são realizadas por opção do executivo, exclusivas do próprio prefeito:

Poucos são os Conselhos Municipais de Educação que se posicionam sobre essa decisão, enquanto os Conselhos do FUNDEF e FUNDEB, quando muito, acompanham a prestação de contas e não opinam sobre a decisão já tomada pelo Executivo. Trata-se, portanto, de um retrocesso em relação à possibilidade de controle social sobre a implantação de políticas públicas previsto pela Constituição Federal de 1988. (ADRIÃO et al.., 2009b, p. 807-808).

Esta constatação também foi verificada na pesquisa realizada por Nicolleti (2009) em um dos municípios da Região de São José do Rio Preto - SP, tendo o executivo, representado pelo coordenador municipal de Educação, a decisão de contratar o SAE:

Durante a entrevista fica evidente que a decisão de contratar o sistema apostilado parte do coordenador municipal de Educação e que somente após a aprovação e a autorização dessa contratação pelo prefeito municipal, os diretores, coordenadores pedagógicos e professores foram comunicados. Também é do coordenador a decisão de se contratar o sistema COC, definida ainda antes do processo licitatório da carta convite. Vale lembrar que as especificações colocadas na carta convite eram condizentes com as do material oferecido somente pela Editora COC. (NICOLLETI, 2009, p. 78).

A literatura nos mostra que motivação para a contratação do SAE pode também ser justificada ao tomar-se a lógica da padronização, homogeneização de conteúdos e currículos como parâmetros de qualidade:

A tentativa de padronização dos projetos pedagógicos e do trabalho realizado nas escolas é a principal justificativa dos dirigentes municipais de Educação para a realização de parcerias com sistemas de ensino privados. Buscam instaurar nas redes municipais uniformidade nos processos pedagógicos, alegando evitar “desigualdades” entre as escolas. Se tal motivação revela uma preocupação com a possibilidade de que ações diferenciadas gerem qualidade também diferenciada, por outro lado, incide sobre a autonomia de escolas e docentes frente à organização do trabalho pedagógico ao retirar-lhes, como assegura a LDB, a possibilidade de organizarem suas práticas a partir de necessidades locais ou iniciativas próprias. (ADRIÃO et al., 2009b, p. 810).

Finalmente, outro fator relevante, que nos chama a atenção, para a aquisição de SAE está associado, muitas vezes também, a precariedade técnica operacional nos municípios, conforme explicado por Adrião et al. (2009):

Os dirigentes municipais entrevistados reconhecem limites de natureza técnico-pedagógica para se instituir um ensino de qualidade, tais como ausência de um quadro técnico qualificado para oferecer suporte ao trabalho desenvolvido nas unidades escolares, ou, ainda, precariedades na formação docente para as quais a alternativa seria o oferecimento de materiais apostilados, além de assessoria promovida pela instituição privada produtora do material. Transfere-se, assim, ao setor privado a gestão do processo pedagógico de toda a rede de ensino, aderindo-se a um “padrão de qualidade” estabelecido no âmbito do mercado. (ADRIÃO et al., 2009b, p. 811).

Um destes fatores ou até a mesmo a sua combinação pode ter justificado a aquisição e oferta de SAE no município de Álvares Machado. No entanto, a acelerada municipalização do ensino, tanto nos Anos Iniciais, como nos Anos Finais do Ensino Fundamental, podem ter assumido um fator preponderante para esta parceria, rumo a organização e busca de uma identidade do ensino local. Cabe agora nos questionar, como os professores dos Anos Iniciais, participaram do processo de adesão de um SAE.

O processo de adesão dos Sistemas Apostilados de Ensino na rede municipal de ensino de Álvares Machado-SP e a participação do professorado

Julgamos necessário investigar os motivos para a contratação de um Sistema Apostilado de Ensino na perspectiva dos professores, visto que se tornam as primeiras percepções a respeito do material fornecido pela empresa e também a busca das primeiras razões para a implantação na Rede Municipal de Álvares Machado-SP.

Os motivos apontados pelos professores pesquisados, conforme a Tabela I abaixo, estão, em sua maioria, diretamente relacionados à melhoria da qualidade da educação do município, com 53,8% das respostas (28 respostas), havendo a ocorrência de 21,1% (11 respostas) que se devem à qualidade do Sistema Apostilado oferecido pela empresa, 13,4% (7 respostas) relacionadas a motivos facilitadores da aprendizagem dos alunos e 1,9% (1 resposta) ligada a motivos facilitadores do trabalho do professor.

Motivos apresentados pelos professores para a adesão de SAE em Álvares
Machado-SP
Tabela I
Motivos apresentados pelos professores para a adesão de SAE em Álvares Machado-SP
Dados organizados pelos autores.

A “busca da qualidade” no campo educacional tornou-se uma questão muito presente no debate atual. Conforme apontam Oliveira e Araújo (2005, p. 15): “É muito difícil, mesmo entre os especialistas, chegar- se a uma noção do que seja qualidade de ensino.”

Concordamos que a dificuldade em se definir qualidade de ensino se deve principalmente à polissemia do termo. Conforme explicam Dourado e Oliveira (2009, p. 202):

Compreende-se então qualidade com base em uma perspectiva polissêmica, em que a concepção de mundo, de sociedade e de educação evidencia e define os elementos para qualificar, avaliar e precisar a natureza, as propriedades e os atributos desejáveis de um processo educativo de qualidade social.

Entretanto, de quais aspectos qualitativos falamos? Face ao debate, Paul Singer (1996) pontua a existência de duas posições antagônicas em torno da qualidade educacional:

Vamos chamar a primeira posição de civil democrática, porque ela encara a educação em geral e a escolar em particular como processo de formação cidadã, tendo em vista o exercício de direitos e obrigações típicos da democracia. [...] O que se contrapõe a essa visão é a que denominarei produtivista. Esta concebe a educação, sobretudo escolar como preparação dos indivíduos para o ingresso, da melhor forma possível, na divisão social do trabalho. [...] Educar seria primordialmente isto: instruir e desenvolver faculdades que habilitem o educando a integrar o mercado de trabalho o mais vantajoso possível. (SINGER, 1996, p. 5).

Partindo dessa compreensão, aproximamo-nos da concepção civil democrática que denota a educação um processo emancipatório às classes sociais que foram excluídas ao longo de décadas, do exercício de seus direitos e obrigações comuns a democracia. Valorizamos, portanto, esta escola como espaço capaz de garantir através de políticas públicas a permanência dos alunos das classes sociais menos abastadas, a fim de possibilitar conquistas e mudanças frente aos problemas sociais existentes na conjuntura atual e não somente, pela integração destas pessoas no mercado de trabalho

Nessa perspectiva, através da análise das respostas das professoras pesquisadas, podemos inferir que um dos elementos que as docentes participantes julgam como sendo importante para a valoração da qualidade do ensino é o fornecimento de materiais didáticos.

O fornecimento de materiais didáticos relaciona-se a apenas ao provimento de insumos, não garantindo, necessáriamente, o processo e os resultados da qualidade do ensino. Em umas das respostas, mostra-se também o entendimento de que ao se aderir a um SAE almeja-se uma qualidade que muitos idealizam que seja ofertada pelas escolas privadas.

Melhorar a qualidade do ensino equiparando-a ao ensino oferecido nos colégios particulares”. (P_A)

A resposta acima pode conduzir ao entendimento de que as escolas privadas ofertam um ensino de melhor qualidade que as escolas públicas, ou como afirma Adrião et al. (2009b, p. 811): “Transfere-se, assim, ao setor privado a gestão do processo pedagógico de toda rede de ensino, aderindo-se a um “padrão de qualidade” estabelecido no âmbito do mercado”.

A unificação/padronização como sinônimo de qualidade do ensino também pode ser verificada como um dos motivos presentes na adesão do SAE, conforme podemos observar nas seguintes respostas:

“Unificar e melhorar o ensino.” (P_ B)

“Aderiu o sistema apostilado, para padronizar o ensino.” (P_C)

“O motivo principal foi à necessidade de melhorar o ensino, bem como padronizar o ensino em todas as escolas da cidade”. (P_D)

“Acredito que para melhorar e padronizar o ensino dentro da rede.” (P_E)

Adrião et al. (2009b) afirma que a tentativa de padronização do trabalho realizado nas escolas é a principal justificativa dos dirigentes municipais de educação para a realização de parcerias com sistemas de ensino privados, buscando superar as “desigualdades” entre as escolas da rede de ensino. No entanto, as autoras revelam que:

Se tal motivação revela uma preocupação com a possibilidade de que ações diferenciadas gerem qualidade também diferenciada, por outro lado, incide sobre a autonomia de escolas e docentes frente à organização do trabalho pedagógico ao retirar-lhes, como assegura a LDB, a possibilidade de organizarem as suas práticas a partir de necessidades locais ou iniciativas próprias (ADRIÃO et al., 2009b, p. 810).

Bego (2013) corrobora com a ideia da padronização/unificação do ensino, como sendo um dos motivos presentes na opinião das professoras pesquisadas ao afirmar que:

Em decorrência da estrutura e dinâmica de funcionamento do SAE, sua introdução na Rede direciona e uniformiza o desenvolvimento do trabalho didático, pois, já são predefinidos tanto o conteúdo programático e sua sequência cronológica como parte da metodologia e dos objetivos a serem alcançados. Essa predefinição permite a maior organização e o controle dos tempos do trabalho na escola, uma vez que a necessidade de seguimento da apostila implica, obrigatoriamente, em homogeneização do conteúdo programático de cada disciplina a ser desenvolvido ao longo dos bimestres, propiciando maior controle do trabalho didático dos professores e a possibilidade de garantia de desenvolvimento do conteúdo das disciplinas na ordem ditada pela apostila. (BEGO, 2013, p. 240).

Sobre os motivos relacionados à qualidade do Sistema Apostilado de Ensino, podemos aludir novamente à presença de um ideário a respeito dos materiais fornecidos pelas empresas privadas. Conforme mostram a resposta de um professore abaixo, percebemos que a estruturação gráfica destes materiais apostilados tornam-se um dos motivos para a adesão de uma SAE através de uma empresa. Não podemos desconsiderar também, que tais empresas operam explicitamente na lógica do mercado, o que a faz participar de um jogo competitivo em que “Quem oferta o melhor, vende mais”.

“Por ser um material completo, diversificado, que além de um rico conteúdo tem uma excelente impressão gráfica, repleto de ilustrações o que ajuda muito nas aulas expositivas e chama a atenção e a curiosidade do aluno.” (P_G)

As professoras pesquisadas também revelam que a adesão de um Sistema Apostilado de Ensino também pode ter ocorrido devido a motivos “facilitadores” para o alcance da aprendizagem dos alunos. Pontuamos que todo material didático interfere fortemente no processo de ensino e aprendizagem, o que não descarta outros fatores capazes de interferir positivamente nesse processo.

Ao serem questionadas se houve momentos de discussões para a adesão do Sistema Apostilado de Ensino, um total de 50% das professoras respondeu que elas não ocorreram no município estudado. Em contrapartida, 27,2% apontaram que essas situações aconteceram e 22,2% deixaram a resposta em branco.

Esse dado nos chama bastante a atenção devido à controvérsia de informações e pelo grande percentual de respostas em branco. Ao cruzarmos essas informações com os dados presentes no perfil, fica evidente que algumas professoras que responderam que estes momentos não ocorreram e/ou deixaram a resposta em branco, não faziam parte da Rede Municipal de Ensino de Álvares Machado - SP no momento de adesão do Sistema Apostilado de Ensino.

Para as professoras que responderam que aconteceram os momentos de discussão para a adesão do Sistema Apostilado de Ensino (22,7%) foi também questionado como foram estes momentos. Do total destas, 33,3% responderam que esses momentos foram realizados através de reuniões extraordinárias; 16,6% apontaram que a discussão sobre a adesão do Sistema Apostilado de Ensino foi feita entre os dirigentes municipais e 16,6% em reuniões com os pais e professores; 8,3% responderam que foram vivenciados em Horário de Trabalho Pedagógico Coletivo (HTPC) e também, no mesmo número, em contato direto com a editora; 16,6% não responderam à questão. Como podemos perceber há uma contradição nas respostas do grupo sobre a existência deste momento de discussão.

Investigamos também se além dos momentos de discussão para a adesão do Sistema Apostilado de Ensino, houve discussões a respeito de qual empresa forneceria o Sistema Apostilado de Ensino. Do total, 50% dos docentes afirmaram que não discutiram sobre a empresa, 16,6% responderam que essa discussão ocorreu e 33,3% deixaram a resposta em branco. Novamente, no cruzamento destas informações podemos observar que um número considerável de professores não fazia parte da Rede Municipal naquela época, sugerindo-nos a justificativa para a grande proporção de respostas em branco.

As 16,6% das professoras que responderam que houve discussão para a escolha da empresa que iria fornecer o SAE, foram indagadas como aconteceram os momentos de discussão para a escolha da empresa que forneceria o Sistema Apostilado de Ensino. Um total de 57,7% das respostas das docentes afirmaram tê-lo sido feito através de reuniões com a equipe gestora municipal, 28,5% afirmaram que não houve a participação dos professores nesse momento e 14,7% responderam que foi realizado em reuniões extraordinárias, não sendo informado maiores detalhes como elas ocorreram.

Enfim, notamos que houve alguns momentos de discussões. No entanto, podemos considerar que estes momentos não tiveram a participação ativa da grande maioria dos professores que se encontravam na rede municipal. Muitos desses momentos de discussões ficaram restritos a apenas aos gestores municipais da educação. Por isso, pontuamos a necessidade da participação docente nas decisões de políticas educacionais de qualquer proposta curricular.

Com o objetivo de investigar quais as primeiras percepções em torno da adesão de um Sistema Apostilado de Ensino, perguntamos às professoras dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, participantes desta pesquisa, quais sentimentos/expectativas eles experimentaram diante da adoção de material apostilado na Rede Municipal de Álvares Machado-SP.

As expectativas apontadas pelas professoras foram em sua maioria (64%) positivas. Um número bem menor, isto é, 10% das respostas emitidas, representam expectativas negativas em relação à implantação do Sistema Apostilado de Ensino. Somente 2% das respostas das professoras pesquisadas afirmaram não terem tido expectativas. Ressaltamos que 24% denotam respostas em branco o que nos leva inferir, entre várias razões, que essas professoras não participaram do processo de implantação do Sistema Apostilado de Ensino na Rede Municipal de Álvares Machado.

Analisando as expectativas positivas das professoras, chama-nos a atenção duas das respostas emitidas com maior frequência. Dez respostas indicadas pelas professoras mostram que a maior expectativa com a implantação do SAE era de melhorar a qualidade do ensino.

Um número de seis respostas pontua que as expectativas das docentes em relação à implantação do SAE foi boa. Contudo, não há esclarecimento a respeito dessa avaliação. Já um número de cinco respostas, que nos chama a atenção mostra que há uma relação de que a implantação do SAE facilitaria a vida do professor, conforme percebemos nas seguintes respostas:

“Acreditava que a apostila facilitaria a vida do professor em não ter que ficar buscando em vários lugares conteúdo, e para os alunos seria melhor, pois sobraria mais tempo e renderia mais o trabalho.” (P_H)

“Muito boa, pois há uma simplificação para o professor no preparo dos conteúdos, pois as aulas praticamente estão elaboradas.” (P_I)

“Ao saber que trabalharia com um SAE fiquei muito feliz acreditei que seria bem mais fácil, pois as aulas estariam preparadas, sem precisar de tirar tantos Xerox, preenchendo apostilas, achei bem interessante.” (P_J)

Podemos afirmar que a facilidade pode se referir a aspectos como rendimento do trabalho docente, tendo em vista a aquisição de um material já elaborado. Entretanto, pontuamos que assim como as demais profissões, a profissão docente não se isenta de suas complexidades, não podendo reduzir-se a responsabilidade dos professores no desenvolvimento das aprendizagens dos alunos a partir da adesão de um SAE que oferta um material pedagógico.

Já em relação às expectativas negativas chamam-nos a atenção as respostas “Foi de não conseguir dar conta e aprofundar e dar conta dos conteúdos” (2 respostas) e “Foi de “alienação absoluta” (1 resposta). Acreditamos que a expectativa dos professores em não dar conta do conteúdo deve-se ao fato da própria organização do material, que dispõe os conteúdos bimestralmente. Semelhante preocupação também foi revelada na pesquisa realizada por Mirandola (2008). A autora afirma que entre as respostas das professoras ao terem o primeiro contato com o material apostilado houve uma mistura de estranheza quanto à mudança no ritmo do trabalho:

Agravava-se o problema pela obrigatoriedade de abordar o conteúdo de uma apostila em prazo predeterminado, mesmo que existisse o discurso de que o professor pudesse utilizar o tempo necessário para cumprir as atividades propostas para o bimestre. (MIRANDOLA, 2008, p. 90).

Ao buscar analisar a resposta alienação absoluta, podemos inferir que a expectativa dos professores em relação ao uso do SAE poderia condicionar a sua prática docente à apenas a utilização do material apostilado em sala de aula.

Ainda questionamos as professoras pesquisadas se as expectativas foram atendidas quando o SAE foi implantado. De todas as respostas, 44,4% apontam que estas expectativas foram atendidas; 13,8% respondem que não; 2,7% dizem não ter tido expectativas e 36,1% das docentes não responderam à questão.

Ao cruzarmos essas respostas com as expectativas levantadas pelas professoras pesquisadas, observamos que a maioria das expectativas atendidas, foram as expectativas positivas (Foi de melhorar o ensino; Foram boas; Facilitar a vida o professor; Foi de ter mais segurança na realização do trabalho; Foi de ser um bom SAE; Foi de não conseguir dar conta e aprofundar os conteúdos; Foi de ter mais agilidade nos conteúdos; Foi de que seria melhor para os alunos)

Dentre as expectativas não atingidas, chamam-nos a atenção as expectativas que foram pontuadas como negativas: (Foi de não conseguir dar conta dos conteúdos; Foi de insegurança por ser um material novo).

Nesse sentido, perguntamos ás professoras se houve um planejamento para a implantação do SAE na Rede Municipal de Álvares Machado - SP. Conforme mostram as respostas, 41,6% das professoras não responderam a questão, o que pode nos levar a acreditar, mais uma vez, que as professoras não estiveram presentes no momento de implantação dessa política. Já 30,5% das professoras apontaram que esse momento não ocorreu; e, 27,2% afirmam ter ocorrido esse momento.

O grupo afirmativo (27,2%) sobre a ocorrência de um momento de planejamento foi questionado também sobre como esse momento foi realizado. Conforme as respostas abaixo, observamos que o planejamento foi feito pelos profissionais do próprio sistema privado de ensino, e também entre os próprios profissionais da rede municipal de ensino:

“Com coordenadoras pedagógicas de cada área em planejamentos anuais e bimestrais”. (P_4)

“Cada coordenador ficava responsável por uma etapa e juntos com os professores estudávamos a apostila para elaborar o planejamento anual.” (P_5)

“Reuniões de professores para planejar de 1º anos, até 5º anos para trabalhar todos juntos (da rede).” (P_22)

“Cada semestre há encontros com professores específicos de cada disciplina para reciclar os professores.” (P_23)

Enfatizamos que a participação dos professores significa um fator importante para a implantação de uma política educacional. Conforme afirma Mirandola a troca de experiências, nesse momento configura-se como importante (2008, p. 69):

A diversidade de conhecimentos e de experiências profissionais e acadêmicas do grupo de professores de uma rede de ensino, com conhecimentos de diferentes áreas, enriquece a prática e torna-se um recurso nas reuniões de planejamento. Por esse motivo, apresentar uma proposta sem discuti-la com os professores, em ocasiões planejadas de formação contínua, é tirar a autonomia dos mesmos, é desconsiderar a riqueza da diversidade existente na rede de ensino.

Considerações Finais

Este trabalho teve como objetivo analisar a participação dos professores no processo de adesão, discutindo três aspectos: 1) os motivos percebidos pelos professores para aderência de um SAE pela rede municipal de ensino; 2) a participação em momentos de discussão antes de firmada a parceria; e, 3) os sentimentos e as expectativas experenciadas pelos docentes diante da parceria firmada.

Pudemos constatar que, para os professores, a adesão ao Sistema Apostilado de Ensino seria uma forma de promover a melhoria do ensino. Os dados também apontaram que os docentes conferem ao material uma qualidade superior, seja em sua estrutura, seja na organização e apresentação dos conteúdos ou, ainda, na impressão gráfica e na diversificação, elementos esses que permitem oferecer novas aprendizagens. Par nós, no entanto, há uma lógica de mercado nessa oferta, pautada pela sedução e atratividade do material. E não podemos desconsiderar que essa lógica é capaz de suprir a necessidade dos professores, conforme os dados foram mostrando ao longo da pesquisa.

Segundo os relatos colhidos, anteriormente à adoção do SAE, houve momentos de discussões que dirigiram sua implantação e a escolha da empresa que forneceria o material. A participação dos professores, todavia, não foi muito ativa, e para explicar tal fato, elaboramos duas inferências. A primeira diz respeito às condições de trabalho. Tendo constatado que 50% dos professores são contratados, podemos concluir haver uma rotatividade muito grande no corpo docente da rede municipal. Tal fato certamente interfere no delineamento e na organização de políticas em longo prazo. Além disso, muitos professores, quando ingressam na rede de ensino, já encontram o material do SAE sendo utilizado. A segunda inferência é que a adesão ao SAE é uma ação que parte muito mais da iniciativa dos gestores municipais do que dos próprios professores, o que nos leva a questionar: Estariam os professores sendo concebidos como profissionais capazes de pensar e desenvolver todo o processo de ensino-aprendizagem dos seus alunos, ou transformados em meros executores das decisões tomadas pela gestão municipal?

Assim como foi pouco expressiva a participação dos professores no período que antecedeu a adoção do SAE, foram poucos também aqueles que participaram de algum planejamento para que o material fosse implantado na rede de ensino. Não descartamos novamente, como um dos motivos, a questão da rotatividade presente na rede municipal. No entanto, pontuamos a necessidade de planejamento para a implantação de qualquer política educacional, por configurar um momento em que dificuldades e dúvidas podem ser partilhadas entre os sujeitos executores das ações.

Apesar de a adesão ao SAE, como já afirmamos, não ter sido propriamente uma escolha dos professores, observamos que, antes da implantação do material, tinham expectativas positivas em relação a ele, as quais, segundo os docentes, foram predominantemente atendidas, ou seja, o SAE respondeu ao que dele se esperava.

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Notas

* Doutorando em Educação pelo Programa de Pós-graduação da Faculdade de Ciência e Tecnologia (FCT /Unesp).
** Livre-docente pela FCT/Unesp/Campus de Presidente Prudente, Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas, com Estágio de Pós-Doutoramento em Educação na Universidade de São Paulo. Professora do Programa de Pós-graduação em Educação da FCT/Unesp/Campus de Presidente Prudente.
1 Concordamos com Adrião e Garcia (2010) que: “[...] a expressão ‘sistema de ensino’ seja teórica e juridicamente inapropriada para nomear o fenômeno aqui destacado, seu uso tem sido recorrente para designar uma “cesta de produtos e serviços” voltados para a educação básica e ofertados aos gestores públicos. A cesta é composta, com alguma variação, por: apostilas, algum tipo de formação continuada aos professores e gestores escolares, sistemáticas de avaliação e acompanhamento das atividades docentes por meio da internet e atendimento de dúvidas docentes por meio de call center.”

Autor notes

Livre-docente pela FCT/Unesp/Campus de Presidente Prudente, Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas, com Estágio de Pós-Doutoramento em Educação na Universidade de São Paulo. Professora do Programa de Pós-graduação em Educação da FCT/Unesp/Campus de Presidente Prudente.
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